É oficial: estou em férias!
E estou exausta. Foi um ano complicado. Não sei se é do cansaço, mas cada ano parece mais complicado. Ensinar é um ofício exigente, mas, atualmente, ser professor é uma profissão demasiado extenuante pois “anexa” uma panóplia de funções que ultrapassam, em muito, a prática pedagógica. É a “violência” burocrática que hoje transforma a profissão, numa profissão de risco ….. físico, psicológico e até vocacional.
Agora, que finalmente tenho tempo de pensar só por pensar, fecho os olhos e lembro Bertold Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem!“. São as margens das obrigações burocráticas que comprimem o prazer de ensinar (que tenta emergir num turbilhão de tarefas. Muitas delas de discutível utilidade) que fazem com que bons professores se questionem…. e sejam atacados pelo inimigo nº 1 de quem ensina: a desmotivação. Não são os alunos que não querem aprender, que nos desmotivam … é o tirar ao professor tempo e recursos para procurar investigar porquê e sobretudo encontrar alternativas que encontrem uma vontade mais recetiva.
Neste discorrer preguiçoso (como é suposto em tempo de férias) questiono-me também: e eu, se voltasse no tempo trinta anos, voltaria a ser professora? Não é pergunta que se faça depois de um ano difícil e então, sofisticamente, resolvo colocar a questão de uma forma menos vinculativa …. Se eu pudesse ter escolhido outo caminho, qual seria? E como poderia ser eu fazendo outra coisa? Então, deixo-me levar na suposição:
Se fosse pintora, não seria uma pintora de paisagens, pintaria pessoas e tentaria dar um rosto à esperança.
Se fosse arquiteta pensaria as casas a partir das pessoas. Uma casa é muito mais do que uma obra estética.
Se fosse advogada tentaria usar a lei como arma de luta contra a injustiça e não como um queijo suíço onde os buracos são melhores instrumentos de defesa do que a sua substância.
Se fosse politica tentaria que a minha ação fosse condizente com o privilégio de poder dar voz aos que apenas têm no voto essa possibilidade.
Se fosse médica tentaria ver o doente para além da doença. Pois a confiança é muito mais do que um paliativo.
Se fosse escritora daria asas às palavras, deixando-as voar em liberdade em busca de novas emoções, procurando abrigo nos que não têm imaginação.
E eis que me apercebo que posso ser tudo isto numa profissão só. Mais, posso, como em nenhuma outra, potenciar estas ambições em muitos jovens. Um professor pode ser a nascente humanista que faz a diferença. Um professor pode fazer germinar nos seus alunos o respeito pela pessoa sobre a coisa, a ética sobre o interesse egoísta, a criatividade sobre a visão espartilhada e a crítica.
Nenhuma outra profissão constrói alicerces para a consolidação de todas as outras. Nenhuma se realiza mais com o êxito daqueles que aprenderam consigo do que com os cargos que ocupa. A qualidade do trabalho de um professor passa muito pela qualidade do que germina e das condições que oferece para que a semente do conhecimento cresça e se torne autónoma.
Grande responsabilidade! Voltava a assumi-la? Definitivamente! Ser professora não é só o que escolhi … É o que eu sou!
Agora é descansar, carregar baterias e em setembro voltar a entrar no carrocel: nova corrida, nova viagem! E esperar que todos sigam felizes e que ninguém caia no percurso. E se qualquer dos jovens, no turbilhão da volta, sentir insegurança poderá sempre contar com a mão da professora, pois quem sabe não será esse jovem que poderá fazer a diferença para que amanhã o mundo seja melhor?
Ana Paula Silva